Análise de conteúdo da psicologia educacional1
Arrigo Leonardo Angelini; Samuel Pfromm Netto; Nelson Rosamilha
A Psicologia Educacional ocupa tradicionalmente uma posição de relevo na preparação de professores - e isto reflete o reconhecimento generalizado de que é grande a contribuição que ela pode oferecer à educação em geral e à formação dos educadores
Com o objetivo de proceder a um estudo extensivo da situação atual da Psicologia Educacional – o que é, o que tem sido, como é ensinada, seus problemas e limitações e as transformações por que vem passando – os autores da presente comunicação iniciaram em fins de 1962 uma série de pesquisas, que envolvem o levantamento e exame da literatura existente a respeito, a análise do conteúdo de livros de texto e de revistas especializadas, de programas e planos de ensino, assim como a determinação de novas tendências na Psicologia Educacional, entendida esta no seu sentido mais amplo, tal como a define Andreson (1949): “A Psicologia Educacional é uma disciplina a ser estudada, uma área do conhecimento, um conjunto de aplicações de leis e princípios de uma área do conhecimento a um processo social, um conjunto de técnicas e um campo de pesquisas”.
Na presente comunicação, serão expostos alguns resultados da primeira etapa do referido estudo, que consistiu na análise do conteúdo de livros e revistas de Psicologia Educacional publicados durante a década de
Aplicação da Técnica de Análise de Conteúdo à Psicologia Educacional
Segundo a conhecida definição de Berelson, a análise de conteúdo é “uma técnica de pesquisa para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação” (Berelson, 1952, p.18). Para que seja objetiva, tal descrição exige uma definição precisa das categorias de análise, de modo a permitir que diferentes pesquisadores possam utilizálas, obtendo os mesmos resultados; para ser sistemática, é necessário que a totalidade de conteúdo relevante seja analisada com relação a todas as categorias significativas; a quantificação permite obter informações mais precisas e objetivas sobre a freqüência da ocorrência das características do conteúdo.
Empregada originalmente em pesquisas sobre o conteúdo de jornais, a técnica de análise de conteúdo tem sido largamente utilizada em investigações sobre opinião pública e propaganda e para determinar características do conteúdo de obras literárias, didáticas e científicas, em campos como a sociologia, a psicologia e a biologia.
Os primeiros estudos da natureza da Psicologia Educacional e das características, por meio da análise de conteúdo, parecem datar da década de 1920. Em 1922, Remmers e Knight examinaram cinco compêndios de uso corrente na época chegando à conclusão de que havia entre os livros “uma decidida divergência de pontos de vista, organização e conteúdo: tão grande, na verdade, que uma projetada comparação entre os mesmos teve que ser abandonada” (p. 406). Outras investigações foram realizadas por Goodwin Watson (1926). Worcester (1927), McPhail (1938), Jones (1949), Wolfe (1947), Blair (1948, 1949), Ryans (1955), Symonds e Jensen (1955), Goodwin Watson (1956), Tyler (1956), Robert I. Watson (1959) e Angelini (1962). Entre os critérios adotados em tais pesquisas, predominaram os seguintes: porcentagem de espaço devotado a diferentes tópicos em livros de texto, autores mais citados e porcentagem de artigos relativos a pesquisas de interesse para a Psicologia Educacional.
Análise de Compêndios e de Revistas de Psicologia Educacional
A Literatura básica de Psicologia Educacional publicada em português é limitada, precária e antiquada, de modo geral. Contamos apenas com meia dúzia de compêndios redigidos por autores nacionais, preparados para alunos de escolas normais e que não cuidaram de incluir resultados de pesquisas representativas. Há, além disso, algumas traduções de livros anteriores à década de 1940 e só há pouco dois textos norte- americanos mais recentes (Ellis, 1964: Sawrey e Telford, 1964) foram vertidos para o nosso idioma.
Em virtude disso, concluiu-se que conviria concentrar a análise de livros e de revistas em publicações editadas no exterior. Mas a impossibilidade de obter compêndios e revistas exclusivamente consagrados à Psicologia Educacional e em número significativo, editados em outros países que não os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, levou-nos a restringir mais ainda o material para análise. Esta terminou por concentrarse em: (a)compêndios de Psicologia Educacional editados nos Estados Unidos da América do Norte, durante a década de
De acordo com os registros na revista Psychological Abstracts, durante a década de 1950-1959 foram publicados nos Estados Unidos cerca de 26 compêndios de Psicologia Educacional. Desses compêndios, treze, isto é, a metade do total indicado, puderam ser localizados ou adquiridos para o presente estudo. Sua análise exaustiva permitiu a verificação da distribuição de assuntos e a freqüência com que diferentes autores são citados. Para o estabelecimento das categorias de análise, várias classificações foram previamente testadas, funcionando de maneira satisfatória aquela que Blair (1948 e 1949) derivou de suas análises e que foram empregadas posteriormente por outros autores.
Tal como constataram as pesquisas relativas a livros publicados em épocas anteriores, verificou-se que, de modo geral, cada texto concede importância maior a quatro áreas: Psicologia da Aprendizagem, Psicologia do Desenvolvimento Humano, Personalidade, Ajustamento e Orientação e Testes e Medidas. Outras áreas aparecem, em média, com porcentagem igual ou menor do que cinco por cento.
Embora varie de livro para livro o número de páginas dedicado a cada uma das quatro grandes áreas, a ordem de classificação das mesmas se mantém relativamente constante. Assim, em primeiro lugar aparece a Psicologia da Aprendizagem, ocupando maior número de páginas do que as outras áreas em doze das treze obras analisadas; a Psicologia do Desenvolvimento ocupa o segundo lugar, em sete livros; em terceiro lugar figura a Psicologia da Personalidade, Ajustamento e Orientação, em nove das obras analisadas, e em quarto lugar, correspondendo a sete livros, os Testes e Medidas.
Os resultados gerais da análise do conteúdo dos compêndios figuram na tabela 1, juntamente com as porcentagens correspondentes ao conteúdo das revistas.
Convém esclarecer que diferentes critérios foram empregados na análise de livros e na de revistas; no primeiro caso, fez-se a contagem do número de páginas, e no segundo, foi contado o número de artigos. Não se deve esquecer, também, a natureza diversa dos dois tipos de publicação. Os compêndios destinam-se ao uso de estudantes e procuram oferecer uma visão geral do campo da Psicologia Educacional; as revistas refletem a atividade de pesquisa em curso, por parte daqueles que, Psicólogos Educacionais ou não, se interessam pela investigação de problemas de aprendizagem, ensino e desenvolvimento psicológico do indivíduo. Deve-se considerar ainda, na interpretação das porcentagens relativas ao conteúdo das revistas, que existem publicações especializadas sobre Psicologia do desenvolvimento, Personalidade, Medidas Educacionais etc., para as quais são encaminhados os resultados de numerosas pesquisas. Daí, talvez, ser mínima a porcentagem de artigos sobre psicologia do desenvolvimento, por exemplo.
Além da porcentagem de espaço devotada a diferentes tópicos, outra forma de análise do conteúdo de livros é a verificação da freqüência com que os nomes de diferentes autores são citados. Trezentos e noventa e oito autores foram citados mais de três vezes, no total dos livros examinados; destes, 33 autores (8,2%) figuram com vinte ou mais citações. Seus nomes, postos e frequência com que são citados acham-se na tabela 2.
A simples contagem do número de vezes em que um determinado autor é citado no total de obras analisadas pode levar à impressão de que tal autor está igualmente representado em todas as obras, o que nem sempre ocorre. Thinkor, por exemplo, que figura em sexto lugar na ordem de autores mais citados, deve tal posição ao fato de que um dos compêndios dedica grande parte do seu espaço ao exame das contribuições desse estudioso de problemas relacionados com a psicologia da leitura.
Tratamos, então, de organizar uma outra tabela, na qual a representatividade dos autores em diferentes compêndios é comparada (v. tabela 3)
Verifica-se por esta tabela que os seis primeiros colocados na tabela anterior são também os que encontram citados em maior número de compêndios: Thorndike, Terman, Lewin, Allisson Davis, Robert J. Havighurst e Gates.
É interessante verificar como os compêndios examinados diferem quanto à variedade de autores citados. A tabela 4 apresenta os doze compêndios analisados e o número de citações que incluem em seus livros. Enquanto alguns fazem largo uso de citações de pesquisas, conceitos, teorias e pontos de vista, como é o caso de Pressey, Robinson e Herrocks, outros são relativamente reservados em suas citações, reduzindo-as a três ou quatro centenas, como Trow ou Cole e Bruco.
Tendo em vista os principais desenvolvimentos sistemáticos na história recente da psicologia, cabe perguntar em que proporção estão os grandes sistemas representados nos compêndios de Psicologia Educacional. A fim de proceder a tal verificação, fez-se primeiramente uma análise dos quadros de sistemas da psicologia que constam de várias obras sobre história da Psicologia, teorias e sistemas psicológicos. De tais quadros, pareceu-nos mais satisfatório o que Marx e Hillix propõem em “Systems and theories in Psychology” (1963), ao qual foi apresentada a Psicologia Topológica de Kurt Lewin. Partindo de tal quadro, tratou-se de verificar a freqüência com que os nomes das principais figuras na formação e desenvolvimento dos grandes sistemas psicológicos são citados nos compêndios de Psicologia Educacional. A tabela 5 e a figura 1 resumem os resultados dessa verificação.
Sistemas
Tipos de Estudos e Sujeitos
Dois outros aspectos foram considerados, na parte relativa às revistas de Psicologia Educacional publicadas durante a década de
Para a determinação da natureza dos trabalhos observou- se a classificação proposta por Andrews (1948), que se refere a três tipos principais de estudos psicológicos: a experimentação, o estudo de tipo diferencial e o estudo de tipo clínico. A essa classificação acrescentou-se uma quarta categoria para permitir a inclusão de contribuições de natureza teórica. Os critérios para a definição dos diferentes tipos de estudos são os mesmos que figuram na obra de Andrews. Segundo este, na pesquisa de tipo experimental o psicólogo manipula deliberadamente uma variável independente; na de tipo diferencial, o psicólogo simplesmente seleciona os sujeitos de acordo com um certo critério e as variáveis (ou variável) da investigação são as medidas de tais sujeitos (Andrews, 1948, pág. 17).
Quanto aos sujeitos das pesquisas publicadas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, nas revistas analipsicósadas nesta investigação verificou-se que enquanto nos Estados Unidos predominam os estudantes universitários, Na Grã-Bretanha são os alunos das escolas primárias e secundárias os sujeitos mais freqüentes usados pelos pesquisadores.
Resumo
O conteúdo de treze compêndios de Psicologia Educacional, de procedência norte-americana, e de coleções das revistas “Journal of Educational Psychology” e “British Journal of Educational Psychology”, publicados durante a década de
REFERÊNCIAS
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1 Comunicação apresentada à 17ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,
Horizonte
2 Este estudo contou com o financiamento do Centro Regional de Pesquisas Educacionais Prof. Queiroz Filho e
a colaboração da Profa. Célia Augusta Teixeira Marques Toledo Malta, Assistente de Pesquisa do referido Centro.
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